terça-feira, 13 de dezembro de 2011

DESEJO - Sergio Jockymann


Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo, pois, que não seja assim
Mas se for, saiba ser sem se desesperar
Desejo também que tenha amigos
Que mesmo maus e inconseqüentes
Sejam corajosos e fiéis
E que pelo menos em um deles
Você possa confiar sem duvidar

E porque a vida é assim
Desejo ainda que você tenha inimigos
Nem muitos, nem poucos
Mas na medida exata para que
Algumas vezes você se interpele
A respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles
Haja pelo menos um que seja justo

Desejo depois, que você seja útil
Mas não insubstituível
E que nos maus momentos
Quando não restar mais nada
Essa utilidade seja suficiente
Para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante
Não com os que erram pouco
Porque isso é fácil
Mas com os que erram muito e irremediavelmente
E que fazendo bom uso dessa tolerância
Você sirva de exemplo aos outros

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais
E que sendo maduro
Não insista em rejuvenescer
E que sendo velho
Não se dedique ao desespero
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor

Desejo, por sinal, que você seja triste
Não o ano todo, mas apenas um dia
Mas que nesse dia
Descubra que o riso diário é bom
O riso habitual é insosso
E o riso constante é insano.

Desejo que você descubra
Com o máximo de urgência
Acima e a respeito de tudo
Que existem oprimidos, injustiçados e infelizes
E que estão bem à sua volta
Desejo ainda
Que você afague um gato, alimente um cão
E ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque assim, você se sentirá bem por nada

Desejo também
Que você plante uma semente, por menor que seja
E acompanhe o seu crescimento
Para que você saiba
De quantas muitas vidas é feita uma árvore

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro
Porque é preciso ser prático
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele na sua frente e diga:
"Isso é meu"
Só para que fique bem claro
Quem é o dono de quem

Desejo também
Que nenhum de seus afetos morra
Por eles e por você
Mas que se morrer
Você possa chorar sem se lamentar
E sofrer sem se culpar

Desejo por fim
Que você sendo homem, tenha uma boa mulher
E que sendo mulher, tenha um bom homem
Que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes
E quando estiverem exaustos e sorridentes
Ainda haja amor pra recomeçar

E se tudo isso acontecer
Não tenho mais nada a lhe desejar

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

POEMA EM LINHA RETA - Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão princípe - todos eles princípes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Quem contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

MARIO LAGO



Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: Nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Prece - Ricardo Gondim


Meu Deus,
Cheguei onde cheguei com uma mochila nas costas.
Trago momentos bons; e em todos algum pranto.
Somo esses momentos e descubro que estou perto de me ver expulso de uma zona de conforto.
Julguei maus aqueles que despedaçaram o aquário onde eu me sentia acolhido.
Mas, graças a eles, aprendo a nadar do rio selvagem - obrigado a desviar de pedras.
Não posso despencar em cascatas.
Não azedei.
Não guardo rancor de gente cheia de ira, que me estapeou em nome de ideias.
Do fosso da solidão, passei a despir dos andrajos das pretensões grandiosas.
Em minha trsiteza, notei também o teu jeito delicado quando pinçastes as cicratizes abertas.
De tudo, sobrou um pedido: ensina-me a contar os dias que ainda não existem - e que nem sei se viverei.
Por enquanto, preciso de ajuda, quero tirar do alforge que carrego nas cosatas, coisas boas e ruins, o material da minha esperança.

domingo, 20 de novembro de 2011

A grande voz - Vinicius de Moraes


É terrível, Senhor! Só a voz do prazer cresce nos ares.

Nem mais um gemido de dor, nem mais um clamor de heroísmo

Só a miséria da carne, e o mundo se desfazendo na lama da carne.

É terrrível, Senhor. Desce teus olhos.

As almas sãs clamam a tua misericórdia.

Elas crêem em ti. Crêem na redenção do sacrifício.

Dize-lhes, Senhor, que és o Deus da Justiça e não da covardia

Dize-lhes que o espírito é da luta e não do crime.

Dize-lhes, Senhor, que não é tarde!

Senhor! Tudo é blasfêmia e tudo é lodo.

Se um lembra que amanhã é o dia da miséria

Mil gritam que hoje é o dia da carne.

Olha, Senhor, antes que seja tarde

Abandona um momento os puros e os bem-aventurados

Desvia um segundo o teu olhar de Roma

Dá remédio a esta infelicidade sem remédio

Antes que ela corrompa os bem-aventurados e os puros.

Não, meu Deus. Não pode prevalecer o prazer e mentira.

A verdade é o Espírito. Tu és o Espírito supremo

E tu exigiste de Abraão o sacrifício de um filho.

Na verdade o que é forte é o que mata se o Espírito exige.

É o que sacrifica à causa do bem seu ouro e seu filho.

A alma do prazer é da terra. A alma da luta e do espaço.

E a alma do espaço aniquilará a alma da terra

Para que a Verdade subsista.

Talvez, Senhor meu Deus, fora melhor

Findar a humanidade esfacelada

Com o fogo sagrado de Sodoma.

Melhor fora, talvez, lançar teu raio

E terminar eternamente tudo.

Mas não, Senhor. A morte aniquila - ao fraco a morte inglória.

A luta redime - ao forte a luta e a vida.

Mais vale, Senhor, a tua piedade

Mais vale o teu amor concitando ao combate último.

Senhor, eu não compreendo os teus sagrados desígnios.

Jeová - tu chamaste à luta os homens fortes

Tua mão lançou pragas contra os ímpios

Tua voz incitou ao sacrifício da vida as multidões.

Jesus - tu pregaste a parábola suave

Tu apanhaste na face humildemente

E carregaste ao GóIgota o madeiro.

Senhor eu não os compreendo, teus desígnios.

Senhor, antes de seres Jesus a humanidade era forte

Os homens bons ouviam a doçura da tua voz

Os maus sentiam a dureza da tua cólera.

E depois, depois que passaste pelo mundo

Teu doce ensinamento foi esquecido

Tua existência foi negada

Veio a treva, veio o horror, veio o pecado

Ressuscitou Sodoma.

Senhor, a humanidade precisa ouvir a voz de Jeová

Os fortes precisam se erguer de armas em punho

Contra o mal - contra o fraco que não luta.

A guerra, Senhor, é em verdade a lei da vida

O homem precisa lutar, porque está escrito

Que o Espírito há de permanecer na face da Terra.

Senhor! Concita os fortes ao combate

Sopra nas multidões inquietas o sopro da luta

Precipita-nos no horror da avalancha suprema.

Dá ao homem que sofre a paz da guerra

Dá à terra cadáveres heróicos

Dá sangue quente ao chão!

Senhor! Tu que criaste a humanidade.

Dize-lhe que o sacrifício será a redenção do mundo

E que os fracos hão de perecer nas mãos dos fortes.

Dá-lhe a morte no campo de batalha

Dá-lhe as grandes avançadas furiosas

Dá-lhe a guerra, Senhor!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Meu Deus, me dê a coragem... - Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,

todos vazios da tua presença.

Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude.

Faça com que eu seja a tua amante humilde entrelaçada a ti em êxtase

Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo

e receber como resposta o amor materno que nutre e embala

Faça com que eu tenha a coragem de te amar,

sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.

Faça com que a solidão não me destrua

Faça com que minha solidão me sirva de companhia

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar

Faça com que eu saiba ficar com o nada

e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo

Receba em teus braços o meu pecado de pensar.

O teu riso - Pablo Neruda


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Postei em 14/11/20

Ser corpo - Ricardo Gondim


Guardo em mim metáforas insólitas,
Meus pés falam, e ouvidos querem ver.
Guardo em mim a ruptura absurda de ter
Um pensar triste e uma vontade solitária.

Asa e raiz de um sonho pouco ambicioso,
Um triste cheio de riso, uma trinca temerária.
Um viajante no vai-e-vem bem contente;
Feliz em largar o atalho grandioso.

Eu aprendi... - Autor desconhecido



Eu aprendi…
…que ter uma criança adormecida nos braços é um dos momentos mais pacíficos do mundo;
Eu aprendi…
…que ser gentil é mais importante do que estar certo;
Eu aprendi…
…que nunca se deve negar um presente a uma criança;
Eu aprendi…
…que eu sempre posso fazer uma prece por alguém quando não tenho a força para ajudá-lo de alguma outra forma;
Eu aprendi…
…que não importa quanta seriedade a vida exija de você, cada um de nós precisa de um amigo brincalhão para se divertir junto;
Eu aprendi…
…que algumas vezes tudo o que precisamos é de uma mão para segurar e um coração para nos entender;
Eu aprendi…
…que os passeios simples com meu pai em volta do quarteirão nas noites de verão quando eu era criança fizeram maravilhas para mim quando me tornei adulto;
Eu aprendi…
…que deveríamos ser gratos a Deus por não nos dar tudo que lhe pedimos;
Eu aprendi…
…que dinheiro não compra “classe”;
Eu aprendi…
…que são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular;
Eu aprendi…
…que debaixo da “casca grossa” existe uma pessoa que deseja ser apreciada, compreendida e amada;
Eu aprendi…
…que Deus não fez tudo num só dia; o que me faz pensar que eu possa?
Eu aprendi…
…que ignorar os fatos não os altera;
Eu aprendi…
…que quando você planeja se nivelar com alguém, apenas esta permitindo que essa pessoa continue a magoar você;
Eu aprendi…
…que o AMOR, e não o TEMPO, é que cura todas as feridas;
Eu aprendi…
…que a maneira mais fácil para eu crescer como pessoa é me cercar de gente mais inteligente do que eu;
Eu aprendi…
…que cada pessoa que a gente conhece deve ser saudada com um sorriso;
Eu aprendi…
…que ninguém é perfeito até que você se apaixone por essa pessoa;
Eu aprendi…
…que a vida é dura, mas eu sou mais ainda;
Eu aprendi…
…que as oportunidades nunca são perdidas; alguém vai aproveitar as que você perdeu.
Eu aprendi…
…que quando o ancoradouro se torna amargo a felicidade vai aportar em outro lugar;
Eu aprendi…
…que devemos sempre ter palavras doces e gentis pois amanhã talvez tenhamos que engoli-las;
Eu aprendi…
…que um sorriso é a maneira mais barata de melhorar sua aparência;
Eu aprendi…
…que não posso escolher como me sinto, mas posso escolher o que fazer a respeito;
Eu aprendi…
…que todos querem viver no topo da montanha, mas toda felicidade e crescimento ocorre quando você esta escalando-a;
Eu aprendi…
…que só se deve dar conselho em duas ocasiões: quando é pedido ou quando é caso de vida ou morte;
Eu aprendi…
…que quanto menos tempo tenho, mais coisas consigo fazer.”

NOTA: algumas postagens na internet dão conta que este poema foi concebido por Shakespeare, enquanto outras fontes garantem ser apócrifo, sendo a segunda opção a mais provável, daí o autor ser desconhecido.

Quem sabe um dia - Mario Quintana


Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!
Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!
Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!
Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!
Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois

As sem razões do amor - Carlos Drumond de Andrade


Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.